ENTRETANTO é um clube de relacionamento que usa a fotografia como forma de aproximação pessoal. Cri

domingo, 9 de setembro de 2012

Sobre Anjos


Por Ane Molina

Dedicado aos amigos que, fotógrafos ou não, 
desfrutam comigo desse mundo no qual observar 
é somente uma ínfima parte do que é viver.


Não acredito muito em lugares não reencontráveis , em cheiros não decifráveis, em tempos não memoráveis e em pessoas não marcantes. Sons não reconhecíveis me apavoram. Não acredito também em imagens que não ficam. Elas não existem, como Barthes fala. Coisas que não me modificam, não existem prá mim.

Revi um filme que tinha visto quando era adolescente. Pré-adolescente, talvez.

Asas do Desejo é de 87. Vi quando passou na tv. Então, devia ter uns 12, 13 anos. Não imagino se alguém dessa idade veria esse filme hoje, com a paciência e o encantamento que eu o vi, ainda menina.




Lembro bem do filme. Lembro que muita coisa me passou. Lembro de que muitas, muitas coisas não entendia. Mas sabe o que mais me marcou nessa primeira vez? A maneira como a câmera se movia. Como ela voava. A câmera voava como os anjos. De forma impassível e com um ritmo melancólico, a câmera observava e consumia as imagens e pensamentos das pessoas. Como os anjos. Numa incomunicabilidade que, de certa forma, fala muito de como consumimos cinema. Como meros observadores. Como os anjos. Claro que essa reflexão mais profunda não me ficou do filme daquela primeira vez. Ficou pouca coisa, além da história de amor. Era menina, eu queria as histórias de amor. 

Dessa vez? Putz! Dessa vez…

Revi pensando em levar prá sala de aula. Falar de cinema e falar das formas de fazer cinema (os meninos todos assistiram o remake de 98, Cidade dos Anjos). Falar de formas diferentes de se contar histórias. Falar de cultura, de meio, de como o cinema é feito de contexto. O cinema é feito pelas pessoas, que fazem um povo e esse povo tem sua história. Asas do Desejo tem muito disso. É um filme sobre melancolia, sobre mudança, sobre decisão e sobre recolhimento. É um filme muito mais sobre solidão do que sobre amor. Mesmo no seu desfecho, fala sobre solidão, sobre ser só. Queria mostrar para os meninos mais do que o que eles já viram. E esse filme é mais do que eles já viram, sem dúvida.

Acontece que, em um âmbito mais pessoal, o filme me remeteu, diretamente, a questões muito mais densas e profundas e, até mesmo, egoístas. Não há como separar a figura dos anjos (belos, graves, metódicos e impessoais) da figura de um outro observador do mundo, que vaga por aí e faz seus os momentos e sentimentos dos outros. Não há como não pensar em nós. Não há como não pensar em fotografia. Os anjos ouvem e anotam. Nós olhamos e fotografamos. Aprisionamos. Colecionamos. E se o anjo, ao invés de colecionar palavras, colecionasse imagens? Somos anjos que passam pelos lugares e pelas pessoas e fazem deles parte de nossas pequenas coleções.

A maior parte dos anjos passa a eternidade impassível. Nada os modifica, eles somente observam. E colecionam. Comentam com os outros anjos seus achados. Levam para os encontros e projetam para que os outros anjos digam “Nossa, que trabalho admirável!” E assim eles passam a eternidade, colecionando seus pequenos tesouros.

Pois deixe-me contar uma coisa que você ainda não sabe. Existe outro tipo de anjo. Existe o anjo que se deixa cair. Existe o anjo que não quer observar. Existe o anjo que quer viver. Esse anjo, um belo dia, se envolve em alguma coisa e muda, resolve estar junto. Ou, em alguns casos mais especiais, ele, simplesmente, nasce assim. Ele quer viver. Ele não quer só olhar. Ele decide sentir. Decide estar. Se ele será mais feliz? Não sei. Mas vai viver, e é o que importa. Se você é esse anjo, toque aqui. Existem muitos de nós por aí. Para esses, lugares, pessoas, momentos e tudo mais só existem quando tocados, sentidos e vividos.

Não fique só. Existem muitos de nós por aí, “compañero”.




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