ENTRETANTO é um clube de relacionamento que usa a fotografia como forma de aproximação pessoal. Cri

domingo, 9 de setembro de 2012

Sobre Anjos


Por Ane Molina

Dedicado aos amigos que, fotógrafos ou não, 
desfrutam comigo desse mundo no qual observar 
é somente uma ínfima parte do que é viver.


Não acredito muito em lugares não reencontráveis , em cheiros não decifráveis, em tempos não memoráveis e em pessoas não marcantes. Sons não reconhecíveis me apavoram. Não acredito também em imagens que não ficam. Elas não existem, como Barthes fala. Coisas que não me modificam, não existem prá mim.

Revi um filme que tinha visto quando era adolescente. Pré-adolescente, talvez.

Asas do Desejo é de 87. Vi quando passou na tv. Então, devia ter uns 12, 13 anos. Não imagino se alguém dessa idade veria esse filme hoje, com a paciência e o encantamento que eu o vi, ainda menina.




Lembro bem do filme. Lembro que muita coisa me passou. Lembro de que muitas, muitas coisas não entendia. Mas sabe o que mais me marcou nessa primeira vez? A maneira como a câmera se movia. Como ela voava. A câmera voava como os anjos. De forma impassível e com um ritmo melancólico, a câmera observava e consumia as imagens e pensamentos das pessoas. Como os anjos. Numa incomunicabilidade que, de certa forma, fala muito de como consumimos cinema. Como meros observadores. Como os anjos. Claro que essa reflexão mais profunda não me ficou do filme daquela primeira vez. Ficou pouca coisa, além da história de amor. Era menina, eu queria as histórias de amor. 

Dessa vez? Putz! Dessa vez…

Revi pensando em levar prá sala de aula. Falar de cinema e falar das formas de fazer cinema (os meninos todos assistiram o remake de 98, Cidade dos Anjos). Falar de formas diferentes de se contar histórias. Falar de cultura, de meio, de como o cinema é feito de contexto. O cinema é feito pelas pessoas, que fazem um povo e esse povo tem sua história. Asas do Desejo tem muito disso. É um filme sobre melancolia, sobre mudança, sobre decisão e sobre recolhimento. É um filme muito mais sobre solidão do que sobre amor. Mesmo no seu desfecho, fala sobre solidão, sobre ser só. Queria mostrar para os meninos mais do que o que eles já viram. E esse filme é mais do que eles já viram, sem dúvida.

Acontece que, em um âmbito mais pessoal, o filme me remeteu, diretamente, a questões muito mais densas e profundas e, até mesmo, egoístas. Não há como separar a figura dos anjos (belos, graves, metódicos e impessoais) da figura de um outro observador do mundo, que vaga por aí e faz seus os momentos e sentimentos dos outros. Não há como não pensar em nós. Não há como não pensar em fotografia. Os anjos ouvem e anotam. Nós olhamos e fotografamos. Aprisionamos. Colecionamos. E se o anjo, ao invés de colecionar palavras, colecionasse imagens? Somos anjos que passam pelos lugares e pelas pessoas e fazem deles parte de nossas pequenas coleções.

A maior parte dos anjos passa a eternidade impassível. Nada os modifica, eles somente observam. E colecionam. Comentam com os outros anjos seus achados. Levam para os encontros e projetam para que os outros anjos digam “Nossa, que trabalho admirável!” E assim eles passam a eternidade, colecionando seus pequenos tesouros.

Pois deixe-me contar uma coisa que você ainda não sabe. Existe outro tipo de anjo. Existe o anjo que se deixa cair. Existe o anjo que não quer observar. Existe o anjo que quer viver. Esse anjo, um belo dia, se envolve em alguma coisa e muda, resolve estar junto. Ou, em alguns casos mais especiais, ele, simplesmente, nasce assim. Ele quer viver. Ele não quer só olhar. Ele decide sentir. Decide estar. Se ele será mais feliz? Não sei. Mas vai viver, e é o que importa. Se você é esse anjo, toque aqui. Existem muitos de nós por aí. Para esses, lugares, pessoas, momentos e tudo mais só existem quando tocados, sentidos e vividos.

Não fique só. Existem muitos de nós por aí, “compañero”.




quarta-feira, 20 de junho de 2012

1 ANO DE ENTRETANTO por Mariana Barros


Hoje eu dei uma passada no blog do Entretanto.
Curioso como na correria do dia-a-dia, a gente nem se dá conta de como foi legal esse ano, um encontro todo mês, pessoas do bem fazendo o que mais gostam, espalhando conhecimento, interesses comuns compartilhados por gente incomum.
Puatz!!!! E que sorte a minha poder dizer que estive presente em todos! Tantos temas propostos, tantos outros brotaram espontaneamente e foram tão marcantes...
Publicitários, professores, empresários, biólogos, cerimonialistas, dentistas, financistas, jornalistas, cineastas, musicistas... era gente de tudo quanto é canto. Especialidades múltiplas, possibilidades infinitas, mentes inquietas movidas pela fotografia...Um bando de doido...rssssss  que resolveu “ver de qual é” o tal do projeto Entretanto.
Maior troca-troca... de experiências de vida, dicas técnicas de profissionais,  esquisitices, olhares, percepções, gostos, desgostos, opiniões... e como falamos!!! Como diz uma amiga minha... falamos mais que a nega do leite... huahuahuahahauuauahuahuauhauhauahu.....
Inicialmente éramos poucos, cabíamos numa mesa de restaurante – Patuá, numa adega de vinho – Vintage, num café -  Senhoritas Café... depois invadimos os cafofos dos “entretantenses” onde tivemos encontros tão gostosos (Plinio’s house, Kiko’s house, Douro’s house, Cesar&Júlio’s house, Jana’s mother bristrô, Gisa’s store... e por aí vai).
Recordar é viver...
Lembro que na Vintage, vimos as fotos do Plínio, série Brasília Inventada, vimos outras fotos de outros fotógrafos, algumas fotos do Peru e tivemos uma pequena palestra sobre vinhos, além da apresentação do gaitista Engels.
Lembro que no Patuá vimos as fotos do Edu e do João Américo e conversamos sobre a questão da precificação do trabalho do fotógrafo.
Lembro que no Senhoritas Café vimos as fotos do André Bragança reveladas artesanalmente por ele com um material diferentaço! E levamos nossas “lomos” pra nos divertirmos, apreciando um showzinho de jazz.
Lembro que na casa do Plínio, assistimos projeções de fotos 360º de baixo d’água, e muito mais do que isso, da oportunidade de bater um papo descontraído com o produtor dessas fotos fantásticas. Assistimos também documentários de fotografia como o de Annie Leibovits, de aventura como o de Amir Klink e o Extremo Sul, além de algumas produções de vídeo do Kiko...
Lembro que na casa do Kiko assistimos e comentamos fotos do Bob Wolfenson, assistimos uns trailers dos filmes do Douro, e também uns curtas iradíssimos que o Kiko selecionou pra gente... passamos mal de tanto rir com o filme da entrevista.
Lembro que na casa do Douro, mais uma vez conversamos sobre as fotos e como Douro foi brilhante ao nos apresentar passo a passo do filme que produziu, cortes, tomadas de cena, movimentação de câmeras... muito legal mesmo!
Lembro que na casa do Cesar a gente pôde escutar o João (ai que saudade do meu mestre yogue!!!) falando da conexão que existe entre Yoga e fotografia, depois apresentando uma sequência perfeita de ássanas. Também pudemos assistir um filme mostrando como cada iluminação produz uma sensação diferente numa mesma cena. Nesse dia, apareceu a professorinha! Querida Anelise, por que demorou tanto???? Mas que bom que chegou e como enriqueceu nossas reuniões com sua sensibilidade e sua visão acadêmica e analógica...rs
Lembro do nosso encontro em Piri no restaurante da mãe da Jana, onde a gente conversou muito sobre fotografia. Como no filme Meia Noite em Paris, Henri Cartier Bresson, Robert Capa e Susan Sontaq sentaram-se à mesa com a gente. Jantamos todos juntos no aconchegante e delicioso restaurante da mãe da Jana.
Lembro, finalmente, de ter viajado pra Índia pelos olhos e impressões da Gisa, no nosso Entretanto que aconteceu no Étnia, com direito a mágica do Guilherme e estrelas que vi depois que o bêbado bateu no meu pé torcido....kkkkkkkk
Ahhh  entre tantos encontros... uma festinha fodástica pra gente comemorar 1 ano do projeto. As fotos dessa festa ficarão pra história....rs.
Pra completar, já que tô registrando tudo que vivemos nesses 12 encontros, impossível deixar de falar do curso.
Com turmas de 3 a 5 alunos, o curso Entretanto consolidou amizades, conhecimento, técnica e, principalmente, despertou nossos olhares.
Aprendemos a brincar com os contrastes, todos eles...rs, recortar com os olhos pedaços onde pudéssemos enquadrar composições de beleza, histórias, texturas e sensações únicas e só nossas... mesmo em meio a locações pouco atrativas.
Descobrimos que a luz, sua amplitude de intensidade, a forma como ela incide, rebate e se relaciona com a sombra é quase tudo que precisamos para produzir uma boa foto.
Aos poucos, ficamos íntimos e muito a vontade com os botõezinhos das câmeras e passamos a nos divertir com a relação entre velocidade e abertura, profundidade de campo, sensibilidade do visor...
Os alunos estão no projeto. Entretanto, não são mais alunos, são tão professores quanto o Plínio, alguns já possuem seus blogs, produzem fotos fantásticas e até estão se profissionalizando.
Mas se quiserem serão também sempre alunos... o curso não acaba, mas se perpetua nos encontros.
Ane e André, acho que com um pouquinho de blá, blá, blá ... muni vcs de material cheio de lembranças e momentos que talvez possam ajudá-los a explicar aos curiosos de plantão a recorrente pergunta:
O QUE É ENTRETANTO ????

sábado, 19 de maio de 2012

De Fotografia e Tristeza


Por Ane Molina

Relendo coisas e fichando livros que, antes, só tinha lido por esporte. Engraçado como as coisas batem de forma diferente, depois de um tempo. E é, certamente, a gente que muda. Pensar teoricamente a fotografia pode parecer estranho. Me pareceu. Pensar e teorizar algo que é tão prático e que, em um primeiro momento, prá mim, parecia tão técnico. Fotografia é algo altamente técnico. O início do aprendizado é assim. A gente só consegue pensar se a fotometria está correta, se estamos conseguindo fazer foco, se o enquadramento está ok. E, mesmo o tal “enquadramento” é um conceito meio confuso no começo.

Depois de um tempo, começamos a nos soltar desse nervosismo todo que nos causa o “Click”. Esse bandido que no fundo, no fundo, se traduz como “menos uma foto”. Não importa se é analógica ou digital, pois sua câmera digital também tem uma vida útil que parece eterna, mas não é. Cada click é menos uma foto, assim como cada amanhecer é menos um dia, cada aniversário é menos um ano. Isso tudo numa visão bem pessimista da coisa, por vezes, necessária.

Quando dominamos, mesmo que minimamente, o controle da luz e o momento exato de apertar o botão, temos tempo mental (e “tempo mental” é um conceito novo a precioso prá mim nos últimos meses) para tentar ultrapassar certos limites que antes sequer concebíamos. Eis a hora de pensar fotografia.

Uma primeira etapa desse pensar é, justamente o não fotografar. É o ver. Ver muitas fotos. Sempre digo aos alunos que é importante ver. O Bizerra (grande professor) pede que os alunos tentem ter um “olhar mais fotográfico” sobre do mundo. Enfim. Alimentar-se de imagens. Reli essa semana o Câmara Clara e ele parece bobo e até ingênuo em determinados momentos, mas fala muito sobre o que nos atinge em uma fotografia, o que nos toca nela. O que faz uma determinada foto “existir” para cada um de nós. Vale o pensamento. Começamos a pensar o que faz a fotografia e, pouco modestamente, tentamos decifrar o que faz dos grandes mestres, grandes mestres.

Mas depois de ler algumas coisas, pensei a fotografia com tristeza.  Algo que já aconteceu. Algo que não está mais. Que não é mais. Um dia foi, mas já não é. Não exatamente da mesma forma. Tenho a mania extravagante dos murais de fotos. Gosto dos gigantes. Verdadeiros mosaicos que me remetem a tempos, lugares e pessoas. Gosto de acordar, fazer o meu café, e dar bom dia a todos aqueles seres amados e, por vezes, distantes que estão comigo ali, sorrindo prá mim na parede da minha cozinha. Gosto das colagens, dos retalhos. Não sou muito ortogonal. Nem no modo de compor, nem na vida, nem nos sentimentos. Em nada, na verdade. Curto demais a bagunça. Meus murais de fotos são o reflexo do meu coração.

Parada na frente do meu mural hoje, sorri para algumas fotos, para algumas pessoas. E pensei o quanto aqueles momentos não seriam mais. Mesmo pensando em tudo com alegria, afinal de contas foram momentos meus, que eu vivi, a foto mostra que eu estava lá, mesmo assim, minha alegria era triste. Meu sorriso era de perda. Em dimensões pessoais isso me atinge. Atinge também minha alma fotográfica. A fotógrafa que existe em mim.

Hoje, uma foto em especial me fez chorar. E não tinha feito antes. É uma foto que considero especial, pelo momento. Mas não considero uma das minhas melhores. Hoje essa foto me trouxe algo de melancolia. Um “tranco” que me chocou, tamanha a violência com que meus sentimentos me atingiram. Pensar na foto como algo que já se foi, algo que passou. A foto é A Menina Escrevendo na Mão.

A Menina Escrevendo na Mão - Paris 2012

O povo da teoria vai dizer que é isso mesmo. Fotografia é perda, é morte. É memória de algo que acabou, ou que em breve acabará. Mas, de certa forma, teorizar é distanciar-se. Fotografar, pelo menos da forma que eu acho que deve ser, é aproximar-se. Um amigo me disse ontem que os teóricos acabam se distanciando do “click”. Espero que não aconteça comigo, porque só quem fotografa pode ser atingido com tal profundidade por aquilo que fotografa. Ter feito a foto dessa menina tão de perto, em um momento tão distraído e ingênuo me torna parte da história dela. Tê-la encarado segundos após o click e ter visto em seu rosto o medo e o susto por ter sido surpreendida em um momento tão seu me torna personagem da sua vida. Saber algo se partiu naquele momento e que aquela menina nunca mais escreveria distraidamente na própria mão sem observar se não estaria por ali algum fotógrafo à espreita. Saber de tudo isso me causou, ao olhar novamente aquela foto, uma sensação de “nunca mais” tão profunda e tão aguda! Ninguém, a não ser eu, saberia como eram os olhos daquela menina no momento exato. Ninguém jamais saberia depois daquilo.  

Esse “encanto desrespeitoso” que temos pelo que fotografamos e que nos faz parte de suas histórias é que nos faz também roubar um pouco deles. Se o eternizar parece lisonjeiro, também é triste. Empresta ao objeto da fotografia essa eternidade irreal que, na verdade, só reafirma a efemeridade dos momentos, o quanto estava lá e já não está mais.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Que feio! por Mariana Barros

Ai meu Deus! Como escrever sobre esse tema sem parecer uma chata?! mas vamos lá... Algumas experiências vividas, na minha percepção, significam mesmo um caminho sem volta. A partir do momento que aprendemos a saborear peixe cru, degustamos um vinho frutado com taninos densos, deixamos a música inundar nossa alma, vivenciamos a consciência plena... entramos em contato com a boa fotografia... tsc, tsc, tsc ...já era!!! nunca mais voltamos a ser os mesmos. Os sentidos se alinham de tal maneira, que começam a filtrar só o que é belo, é gostoso, é agradável, é interessante...

Aprendi por mim mesma que minha forma de sentir o mundo não é melhor do que nenhuma outra, apenas diferente. Hoje, consegui a difícil tarefa de ser uma observadora de mim mesma. Saí da caixa e olhei de cima, a Mariana sentada, muletas ao lado, tornozelo roxo, inchado, devidamente imobilizado, atestados infindáveis e uma vontade incontrolável de aprimorar a visão fotográfica.

Depois de tantos encontros no Entretanto, depois de tanto participar dos cursos desse projeto, era impossível passar desatenta ao processo de construção e desenvolvimento do olhar fotográfico. Por isso, sempre que posso, observo incessantemente fotos e mais fotos. Aprendi a distinguir a fotografia arte da fotografia comercial.

Uma amiga querida que vai casar me disse que tava pensando em contratar um fotógrafo cujo orçamento era bem menor que a média do mercado. Curiosa que sou, fui dar um olhadinha. Todas, atenção: t o d a s as fotos estavam estouradas com luzes tão intensas que pareciam filmes de ficção científica. Pense num por do sol, quase noite mesmo, a noiva sentada no deck, tudo escuro, com aquela luz de disco voador aterrissando na terra?! Aff!!!!! eu poderia ficar citando aqui um milhão de detalhes que chamaram minha atenção, mas chega! Que feio! Muito feio eu ficar julgando isso ou aquilo. Muitas vezes quem contrata um fotógrafo não quer registrar um momento, mas um sonho. E outra: há mulheres que sonham em ser comparadas com modelos de peles perfeitas, estar sob a luz de holofotes, mesmo que isso signifique aparecer na foto completamente diferente do que vê diante do espelho, e digo mais... pouco se importanto com o que é cult, é style, é vintage, é de bom gosto... blá, blá, blá .

Termino esse texto em tom de auto-crítica. Ainda que o caminho seja sem volta, é o meu caminho, com minhas interpretações, minhas sensações e o meu olhar. A observação me fez perceber que eu tava querendo fazer uma padronização idiota, sem respeitar a foto alheia, que de qualquer forma, encantou e fez alguém feliz. E viva a diversidade de gostos, a propagação do conhecimento e a imensa amplitude do olhar... viva o Entretanto.

terça-feira, 1 de maio de 2012





por Ane M. Molina

Do alimento, da fotografia, do instinto

Fui prá cozinha nos últimos tempos. Sempre gostei de cozinhar e, depois que me separei, me falta público. Me falta companhia, me falta tempo. Mas tem épocas que dou conta. E me faz feliz. Essa coisa toda dos gêneros, prá mim, sempre foi muito clara. Dentro do que acredito e pratico como filosofia de vida, cada qual tem seu papel. Eu acho sim, que a mulher veio ao mundo para alimentar. Para ser mãe. Muitas vezes sem parir a cria. Mas a gente veio para cuidar. Tenho um amigo que diz q sou tooooooda isso. Cuidado. Já o terapeuta, como já comentei outro dia, me acusou de controladora. O pior tipo de controladora e manipuladora. Aquela que manipula e controla através do amor.

Sim, sim, sim! Alimento. Dou de comer. Minha mesa repleta de gente é a minha alegria. Coisa da minha vó. Ir a casa da minha vó e não comer é ofensa. Na minha também. Adoro aquela carinha fofa que me olha e pergunta “tem mais?” Pode ser que tudo seja um feitiço, muito bem feito, prá amarrar as pessoas na minha vida assim. Cozinhando. Vai saber!

Me chamaram prá fazer parte de um projeto que tem a ver com gastronomia. Maravilha! Fotografia e comida. Hmmm… A fotografia e a cozinha se completam. Fotografia Gastronômica é um luxo. Fascina. A cozinha, por si só, já é um ambiente fotogênico. Agora coloque pessoas lá dentro, cozinhando… afemaria!

Carinho, afeto, chamego. Aromas, texturas, sabores. Olhar, desejar, apropriar-se … tudo isso lembra… sexo. Também inevitável! Comida tem a ver com sexo. Fotografia tem a ver com sexo. Uma pessoa no domínio de sua cozinha, nada mais sexy. Uma pessoa olhando prá você, profundamente,  com uma câmera na mão. Idem. Por mais profissionais que nós nos portemos (e no meio da fotografia isso é mais que necessário) a figura do fotógrafo vai sempre carregar essa dose de erotismo. Sempre. E quem vai pra cozinha lidar com todos esses ingredientes, maravilhas sensoriais em pleno processo de transformação, também.

Agora, tente ver tudo isso sem nenhuma sacanagem. Sei, é difícil, mas tente. Somos motivados por coisas, certo? Geralmente por instinto. Na verdade, sendo e nos achando, muito civilizados, tentamos dominar esses instintos o tempo todo. Mas, sendo bem sincera, acho que as melhores coisas que fazemos são aquelas que fazemos instintivamente. Sabedorias milenares orientais afirmam que nossa energia, em essência, é sexual. É essa energia, criadora e pura, que é a gênese de todas as outras forças que nos movem. Faz parte do nosso instinto de sobrevivência. Assim como comer, como alimentar…

Acho que a fotografia tem um pouco disso também. Desse instinto. Dessa coisa instintiva do olhar, do entender, do “propriar-se”, de certa forma, daquilo que se fotografa ou de quem se fotografa. Tem gente que TEM que olhar. Eu sou assim, se me chama a atenção eu olho mesmo. “Gente interessante, se não quer ser olhada, que fique em casa.” Ouvi esses dias. E é mesmo. E isso não tem nada de sexual, na prática. Ninguém vai sair atacando o povo por aí! Mas a gente olha. Sendo fotógrafo, a gente olha mais.

Tudo isso prá falar desse instinto. Dessas coisas que a gente tira, não sei de onde, e que acabam se transformando no nosso trabalho. Essas inspirações. Esses momentos, esses sabores, essa vida que vivemos e que transforma tudo o que tocamos. Sempre acho que poderia estar vivendo mais intensamente tudo e que não estou. Realmente, sorvendo a vida com vontade. Sempre acho que devemos ir além. Essa necessidade vem de mim, passa por mim e acaba na minha fotografia. Essa necessidade de provar, de me aproximar. De “ter” com o que fotografo (como dizem tão bem os portugueses e de quem adotei essa expressão tão elucidativa) “Ter” com quem fotografo. Ter quem fotografo. Pertencimento, vontade, prazer. Tudo em um só momento.

Fotografe, cozinhe e ame. Com vontade!

4º Curso de Fotografia Entretanto




"O bom fotógrafo deve buscar  o extraordinário escondido nas mangas da simplicidade." Foi com essa proposta que o fotógrafo Plínio Ricardo ministrou o  4º Curso de Fotografia  ENTRETANTO.  O cronograma que é voltado para o desenvolvimento do olhar fotográfico e sensibilidade artística, usa restaurantes e cafés como cenário para as aulas teóricas e as ruas e becos geométricos de Brasília para as aulas práticas.  Um momento de diversão e envolvimento com novas idéias.



terça-feira, 27 de março de 2012

Do encontro com a fotografia

por Anelise W. Molina



Depois de oito convites, aos quais não consegui atender, finalmente, consegui comparecer ao Entretanto.

A proposta de um encontro de fotógrafos, de todos os níveis técnicos, das mais variadas formações e dos mais diferentes ramos criativos e profissionais, simplesmente me encantava. Lembro quando o Plínio me falou, pela primeira vez, sobre a idéia. Isso já faz uns 3 anos. Em meio a caras descrentes ele explicou como imaginava que seria um grupo de fotografia que se encontrasse de forma descontraída e que discutisse fotografia de forma, ao mesmo tempo, profunda e despretensiosa.

Entendo a fotografia como ponte. Não consigo ver de outra forma. Sobretudo hoje, com nossos novos meios de produção das imagens, com toda a velocidade e toda a qualidade técnica estamos 100% do tempo compartilhando imagens. Estamos compartilhando nossa visão. Acho que o único momento em que não fazemos isso é quando estamos dormindo. Ainda. Eu acredito que, em breve, estaremos compartilhando nossos sonhos. Não de forma poética, mas de forma literal.

Nós, fotógrafos, nos sentimos impelidos a registrar e compartilhar. Fotografia guardada na gaveta ou armazenada no computador perde o sentido. Fotografia só existe no momento em que é captada, interpretada e reinterpretada eternamente por quem a observa, por quem a consome. Nós, os produtores da imagem, somos instrumentos de uma causa maior. Registramos e damos nossas “cores” ao mundo. Hoje o mundo existe por conta das imagens incessantemente criadas e compartilhadas através de inúmeras interfaces virtuais disponíveis. Fascinante, não? Não é fascinante pensar que, afinal de contas, partilhamos nossas impressões sobre o mundo?

Dentro desse contexto, temos que pensar quem somos nós? Quem são essas figuras que produzem esse conteúdo? O que sabemos sobre o mundo? Como e com o que produzimos as imagens que espalhamos pelo mundo? Eu tenho curiosidade de saber quem são. Você não?

Pois então, vamos ao Entretanto. Uns se dizem curiosos. Outros entusiastas. Outros ainda aparecem com aquelas lentes enooooormes e fazem cara de “iniciado” de “profissional”. Independente de como nos comportamos. Independente de quanto sabemos sobre técnica e equipamento. Independente de quanto já fotografamos. É bom fazer parte da mesma tribo. Ter esse sentimento de pertencimento. Sabemos que o que fazemos é importante. Nos reconhecemos. Nos entendemos das mais variadas formas. Ser fotógrafo passa a ter mais um sentido. Ser fotógrafo é ter iguais.  Encontro com a fotografia, Encontro com fotógrafos. Encontro com futuros amigos.

Sim, já nos encontramos antes. ENTRETANTO este é só o começo!

Sobre o 10º ENTRETANTO



por Plínio Ricardo

O lado afetivo que desde a infância agrego a fotografia ganha vida a cada encontro do Projeto Entretanto assim como no sonho do menino que acreditou que conheceria o mundo com o poder de suas lentes. A câmera então, seria o alíbi para se estar ali, de peito aberto, de cara para o novo. 
Na cidade histórica de Pirinópolis nos encontramos sob a luz do entardecer para por em prática a grande vontade de estarmos juntos, entre amigos de cabeça pensante que por ora ou outra falam sério em seus assuntos de intelecto e profissão, mas na grande maioria das vezes falam sobre a vida e suas entrelinhas. A noite caiu o ponto de encontro foi o belo Restaurante Empório do Cerrado. Regados a bom vinho e saborosa comida Gourmet debatemos sobre o trabalho de Diane Arbus, fotógrafa americana que se especializou em mostrar o lado angustiado da cultura americana. Anomalias genéticas e pessoas a margem da sociedade eram presentes em suas composições. 
Falamos sobre como culturas tradicionais  são afetadas drasticamente pelos projetos missionários fundamentalistas de certas vertentes da Igreja Evangélica. Situação que pude presenciar durante meu trabalho fotográfico com a comunidade quilombola Kalunga, que tem suas tradições religiosas ameaçadas devido a crescente influência evangélica dentro de seu território, tal influência pode ser percebida até nas vestimentas. A maior força de identidade daquele povo são os costumes, que agora estão sendo condenados e aos poucos esquecidos pelos jovens. 
A Lomokino, uma filmadora analógica rudimentar, de lente de plástico, foi apresentada aos participantes. Quase uma buginganga, custa por volta de R$ 200,00 e faz imagens em movimento rodando um filme fotográfico 35mm, encontrado em qualquer loja. O resultado são filmes “Vintages” que pela precariedade estética se transforma em uma linguagem expressiva. 
No domingo desfrutamos uma tarde no Santuário Vaga-Fogo, onde caminhamos por entre trilhas de árvores altas até uma refrescante e límpida piscina natural. De volta ao Restaurante Empório do Cerrado, uma cervejinha para brindar o pôr-do-sol. Ao voltar para Brasília, estávamos certos de termos vividos na prática o conceito de “Good Time”