Por Ane Molina
Relendo coisas e fichando
livros que, antes, só tinha lido por esporte. Engraçado como as coisas batem de
forma diferente, depois de um tempo. E é, certamente, a gente que muda. Pensar
teoricamente a fotografia pode parecer estranho. Me pareceu. Pensar e
teorizar algo que é tão prático e que, em um primeiro momento, prá mim, parecia
tão técnico. Fotografia é algo altamente técnico. O início do aprendizado é
assim. A gente só consegue pensar se a fotometria está correta, se estamos
conseguindo fazer foco, se o enquadramento está ok. E, mesmo o tal
“enquadramento” é um conceito meio confuso no começo.
Depois de um tempo,
começamos a nos soltar desse nervosismo todo que nos causa o “Click”. Esse
bandido que no fundo, no fundo, se traduz como “menos uma foto”. Não importa se
é analógica ou digital, pois sua câmera digital também tem uma vida útil que
parece eterna, mas não é. Cada click é menos uma foto, assim como cada
amanhecer é menos um dia, cada aniversário é menos um ano. Isso tudo numa visão
bem pessimista da coisa, por vezes, necessária.
Quando dominamos, mesmo que
minimamente, o controle da luz e o momento exato de apertar o botão, temos
tempo mental (e “tempo mental” é um conceito novo a precioso prá mim nos
últimos meses) para tentar ultrapassar certos limites que antes sequer
concebíamos. Eis a hora de pensar fotografia.
Uma primeira etapa desse
pensar é, justamente o não fotografar. É o ver. Ver muitas fotos. Sempre digo
aos alunos que é importante ver. O Bizerra (grande professor) pede que os
alunos tentem ter um “olhar mais fotográfico” sobre do mundo. Enfim.
Alimentar-se de imagens. Reli essa semana o Câmara Clara e ele parece bobo e
até ingênuo em determinados momentos, mas fala muito sobre o que nos atinge em
uma fotografia, o que nos toca nela. O que faz uma determinada foto “existir”
para cada um de nós. Vale o pensamento. Começamos a pensar o que faz a fotografia e, pouco modestamente, tentamos decifrar o que faz dos grandes mestres, grandes mestres.
Mas depois de ler algumas
coisas, pensei a fotografia com tristeza.
Algo que já aconteceu. Algo que não está mais. Que não é mais. Um dia
foi, mas já não é. Não exatamente da mesma forma. Tenho a mania extravagante
dos murais de fotos. Gosto dos gigantes. Verdadeiros mosaicos que me remetem a
tempos, lugares e pessoas. Gosto de acordar, fazer o meu café, e dar bom dia a
todos aqueles seres amados e, por vezes, distantes que estão comigo ali,
sorrindo prá mim na parede da minha cozinha. Gosto das colagens, dos retalhos.
Não sou muito ortogonal. Nem no modo de compor, nem na vida, nem nos
sentimentos. Em nada, na verdade. Curto demais a bagunça. Meus murais de fotos
são o reflexo do meu coração.
Parada na frente do meu
mural hoje, sorri para algumas fotos, para algumas pessoas. E pensei o quanto aqueles
momentos não seriam mais. Mesmo pensando em tudo com alegria, afinal de contas
foram momentos meus, que eu vivi, a foto mostra que eu estava lá, mesmo assim,
minha alegria era triste. Meu sorriso era de perda. Em dimensões pessoais isso
me atinge. Atinge também minha alma fotográfica. A fotógrafa que existe em mim.
Hoje, uma foto em especial
me fez chorar. E não tinha feito antes. É uma foto que considero especial, pelo
momento. Mas não considero uma das minhas melhores. Hoje essa foto me trouxe
algo de melancolia. Um “tranco” que me chocou, tamanha a violência com que meus
sentimentos me atingiram. Pensar na foto como algo que já se foi, algo que
passou. A foto é A Menina Escrevendo na Mão.
A Menina Escrevendo na Mão - Paris 2012 |
O povo da teoria vai dizer
que é isso mesmo. Fotografia é perda, é morte. É memória de algo que acabou, ou
que em breve acabará. Mas, de certa forma, teorizar é distanciar-se. Fotografar, pelo menos da forma que eu acho que deve ser, é aproximar-se. Um amigo me disse ontem que os teóricos acabam se
distanciando do “click”. Espero que não aconteça comigo, porque só quem
fotografa pode ser atingido com tal profundidade por aquilo que fotografa. Ter
feito a foto dessa menina tão de perto, em um momento tão distraído e ingênuo
me torna parte da história dela. Tê-la encarado segundos após o click e ter
visto em seu rosto o medo e o susto por ter sido surpreendida em um momento tão
seu me torna personagem da sua vida. Saber algo se partiu naquele momento e que
aquela menina nunca mais escreveria distraidamente na própria mão sem observar
se não estaria por ali algum fotógrafo à espreita. Saber de tudo isso me
causou, ao olhar novamente aquela foto, uma sensação de “nunca mais” tão
profunda e tão aguda! Ninguém, a não ser eu, saberia como eram os olhos daquela
menina no momento exato. Ninguém jamais saberia depois daquilo.
Esse “encanto desrespeitoso”
que temos pelo que fotografamos e que nos faz parte de suas histórias é que nos
faz também roubar um pouco deles. Se o eternizar parece lisonjeiro, também é triste.
Empresta ao objeto da fotografia essa eternidade irreal que, na verdade, só
reafirma a efemeridade dos momentos, o quanto estava lá e já não está mais.
Senti teu sentimento nas palavras, Anelise. Tenho um afeto gigantesco por fotografia.
ResponderExcluirQue bom, Ana. É o que basta para fotografar. Continue! Bj!
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